Por: Maria Emília Bottini
Setembro é um mês do qual gosto muito, pois a natureza explode em várias cores e vibra. Tenho feito alguns tours pela minha cidade de Erechim-RS e percebo que a explosão está no ar.
Talvez todos nós, de alguma, forma também sigamos estações do ano dentro de nós mesmos. A explosão se dá pois se anuncia a chegada da primavera da vida, mais uma etapa de florir, de aparecer e de se mostrar, sair da toca que o inverno nos impõe através do recolhimento e do frio.
Não seguirei falando da primavera e do amarelo dos ipês que estão a encantar muitas cidades do Brasil. O tema que quero abordar neste texto é delicado, inquietante e assustador: o suicídio, um tema considerado o tabu dos tabus. Não falar não significa que ele não exista. Ao falar, não deve ser glamourizado ou mesmo espetacularizado como preconiza a Organização Mundial da Saúde (OMS). Falar ainda é a melhor solução, é dar voz ao sofrimento psíquico.
As pessoas que pensam no suicídio como possibilidade se sentem como no deserto de suas vidas em areias movediças, quanto mais tentam sair, mais afundam. Falar também é uma escolha.
Em setembro estive na Universidade de Passo Fundo (UPF) a convite de uma ex-professora, que admiro de longa data, nos reencontramos no meu retorno ao Sul. O evento tratou do movimento internacional denominado de Setembro Amarelo. O dia 10 de setembro é o dia Mundial de Combate ao Suicídio. A temática na Internet: riscos e sinais do suicídio.com, contemplou a fala de uma psicóloga, um psiquiatra e um filósofo.
Um excelente evento em tempos que a vida esvazia e se empobrece de sentidos pela exacerbação do eu, do individualismo, com isso o suicídio pode aparecer como uma possibilidade possível, hoje visível nas redes sociais onde tudo é exposto, compartilhado em tempo real.
E por que não midiatizar/espetacularizar a morte e ter o máximo de exposição de uma vida sem sentidos?
E nesse sentido foi relatado o caso de uma universitária acriana, de 19 anos, que se suicidou ao vivo no Instagram, ela foi acompanhada por seus quase 300 seguidores ao vivo e em cores que atônitos ou não assistiram o findar de sua vida naquele momento. Alguns tentaram ligar para sua casa, mas não foram atendidos. Postagem foram mostradas, e estava gritando pelo socorro através da rede social, mas era um grito surdo, pois ninguém a ouviu, ninguém entendeu que era real. Talvez pensassem que era algo para chamar a atenção.
No dia em que morreu, postou: “já viram alguém morrer ao vivo?” Uma pergunta que não desejava saber a resposta, pois já tinha construído a resposta com sua própria morte. Podemos supor sua resposta: “Então, vocês verão”.
Os dados referem que quando ocorre um suicídio, outras 10 pessoas são atingidas diretamente. A pessoa que se suicidou tinha amigos, conhecidos, frequentava universidade, tinha pais, irmãos, vizinhos, tinha crenças religiosas, pertencia a um grupo social, etc…
Dias depois do evento, os pais da garota, que eram policiais, cometeram suicídio na sala de casa usando o mesmo método da filha. Talvez a identificação, a culpa de carregar a herança maldita pela forma de morte da filha, os tenha levado ao mesmo ato. Dias se passaram e seu namorado a quem refere nos seus escritos que a teria decepcionado também tentou suicídio, mas se tornou um sobrevivente dele.
Amigos também foram culpabilizados por decepcioná-la. Isso relata a fragilidade emocional para lidar com as adversidades que foram se apresentando seja com o namorado, amigos ou familiares.
O que dizer deste caso? O fato é que as pessoas nos decepcionam ao longo do viver. Quem por vezes acreditamos que nos apoiaria em determinada situação nos retira o ombro. Pais não são perfeitos, muito pelo contrário, são imperfeitos, falhos e às vezes não nos compreendem, pois não habitam nossa pele. Namorados traem, nos agridem com palavras, não nos querem mais e não tem coragem de assumir…
Enfim, a vida não é fácil de ser vivida em muitas situações e se permanecemos sozinhos, se torna desesperadora, porque no meio do caminho tinha, além das pedras referidas por Drummond, a palavra frustração. O questionamento a ser feito é: o que faremos com ela? Há muitas situações que não dão certo e precisamos continuar ou não.
Podemos mudar caminhos? Podemos fazer outras escolhas? Sim, quando estamos bem e com saúde mental, mas quando adoecemos emocionalmente isso se torna muito difícil e por vezes a vida perde a cor, o sentido, e a morte torna-se possibilidade para quem vive a sofrer de uma dor que não é do físico, é da alma. E os que nos cercam nem sempre conseguem ler ou mesmo entender o que se sente por dentro.
O fato é que o suicida não executa sua morte de um dia para o outro, isso requer muito sofrimento acumulado para culminar no ato de desistir da vida. É preciso entender que estamos falando de doença mental.
Suicídio é um problema de saúde pública, pois todos os dias, 32 brasileiros tiram a própria vida. Mais de 20 mil pessoas cometem suicídio ao redor do planeta diariamente. Quase um milhão de pessoas se matam por ano, uma a cada 40 segundos – são mais vítimas que todas as guerras, homicídios e conflitos civis somados. E, para cada morte por suicídio, existem outras 10 ou 20 pessoas que já tentaram fazer o mesmo.
O Brasil é um país com índices baixos de suicídio se comparado com outros países (6 casos por 100 mil habitantes, contra 12 da média mundial), configurando o 8º lugar no mundo.
Enquanto os índices têm caído na maioria dos países, as taxas brasileiras se elevam. Entre 2002 e 2012, o número de casos subiu 34%. Entre adolescentes de 10 a 14 anos, o aumento chegou a 40%, de acordo com o último levantamento do Mapa da Violência de 2016. Segundo OMS (2006), o suicídio mata mais que homicídios, desastres e HIV em todo o mundo. Entre os jovens, é a segunda causa de morte, a primeira é o acidente automobilístico.
Os dados são muitos para informar que precisamos de mais escuta atenta e acolhedora, mas para isso precisamos deixar de lado a psicofobia, ou seja, o preconceito ao falar das doenças mentais. Elas existem e precisamos falar delas, pois em 90% dos casos de suicídio uma doença mental está associada.
Para a garota do Acre não existirão outras primaveras. Setembro não foi amarelo para ela, pois perdeu a capacidade de ver as cores, sentido na existência, não percebendo mais possibilidades diante dos sofrimentos que acreditava estar enfrentando. Não conseguiu encontrar-se na areia que se movia cada vez mais rápida sob seus pés, colocando um ponto final a sua existência na frente de uma grande plateia que a seguia. Saiu da vida como uma atriz de teatro sai de cena, só que dessa vez as cortinas não se fecharam, ficaram faltando os aplausos que desejava receber em vida, mas tão pouco chegaram com sua morte, o silêncio imperou.
Outros estão vivendo o mesmo drama e a se perguntar se setembro é amarelo. A estes indico que escolham a quem depositar suas dores, mas esses não poderão ser surdos, senão os resultados serão os mesmos.
Imagem capa: stocksnap.io
Colunista:
Maria Emília Bottini
CRP nº: 07/08544
Formada pela Universidade de Passo Fundo (RS);
Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF);
Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB);
Autora do livro “No cinema e na vida: a difícil arte de aprender a morrer”;
Assina a coluna “Trocando Ideias” do blog da Clínica Ser Saúde Mental de Brasília.
Contatos:
emilia.bottini@gmail.com.
Página do livro:
Facebook.com/Nocinemaenavidaadificilartedeaprenderamorrer
Clínica Ser Saúde Mental – Coluna Trocando Ideias:
http://sersaudemental.com.br/blog/
*Ao reproduzir este conteúdo, não se esqueça de citar as fontes.
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