Por: Sara Almeida Botelho
Os altos índices de violência sexual contra crianças e adolescentes nos colocam diante das nossas próprias dificuldades e fragilidades para lidar com as consequências impactantes que refletem no desenvolvimento biopsicossocial de todos os envolvidos.
O Ministério da Saúde identifica a violência sexual infantojuvenil como uma questão de saúde pública ao se considerar que a exposição à violência sexual causa danos impactantes no desenvolvimento biopsicossocial da vítima a curto e longo prazo, podendo causar prejuízos significativos na saúde mental das vítimas, e mais, desencadear processos psicológicos graves que podem perdurar por toda vida. A violência sexual infantojuvenil é um ataque brutal à saúde mental de suas vítimas, onde pode haver sérios comprometimentos à estruturação e desenvolvimento dessa.
A violência sexual contra crianças e adolescentes pode se dar a partir do abuso sexual e/ou exploração sexual. O abuso sexual é uma ação onde o agressor se encontra em uma fase psicossexual mais avançada e utiliza do corpo e da sexualidade de uma criança ou adolescente para satisfazer seus impulsos sexuais. O abuso sexual pode ser com contato físico ou não. A exploração sexual por sua vez, é quando um ou mais adultos se utilizam do corpo e da sexualidade de uma criança e/ adolescente com fins lucrativos, ou seja, há uma comercialização do corpo e da sexualidade da criança e/ou adolescente.
Diante da conjuntura na qual se configura a violência sexual infantojuvenil, é possível observar que a mesma envolve duas desigualdades básicas: gênero e geração, além de ser reconhecida como uma violação de direitos, a qual abarca questões legais de proteção ao menor, isto porque violência sexual contra crianças e adolescentes é crime de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo estimativa da UNICEF, em 2014 cerca de 120 milhões de meninas com até 19 anos foram vítimas de violência sexual, o que nos faz refletir a imposição de poder imposta pela violência sexual, uma vez que o quantitativo de vítimas de sexo masculino é bem inferior.
É muito importante estar atento ao contexto de desenvolvimento da criança e/ou adolescente, pois a violência sexual infantojuvenil não ocorre de forma isolada, pelo contrário, é uma ação que compreende um processo de manipulação e conquista da vítima, ou seja, há também a presença de violência psicológica como forma de concretizar a violência e garantir o silêncio da vítima. Cabe aqui destacar que de 90% a 95% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes o agressor é alguém do grupo familiar ou tem alguma ligação direta com o grupo familiar da vítima.
É por isso que a violência sexual contra crianças e adolescentes é um episódio complexo para todos os envolvidos, tanto para a vítima que ainda não tem estrutura intelectual, emocional e social para lidar com o ocorrido ou mesmo identificar-se enquanto vítima de violência, bem como reconhecer o adulto como agressor, quanto para a família que não está preparada para lidar com o fato e ajudar a criança ou adolescente a superar o ocorrido, principalmente nos casos onde o agressor é um componente do grupo familiar. Com isso, é possível notar que a revelação desse episódio produz uma crise muito grande na família ou na comunidade, o que gera uma carga de ansiedade muito grande e leva as famílias a abandonarem o acompanhamento profissional.
Sendo assim, a violência sexual infantojuvenil também se configura como desafiadora para a intervenção profissional, uma vez que é preciso enfrentar também a cultura do silêncio que ocorre em muitos grupos familiares, todos os membros sabem, mas ninguém fala a respeito, tornando-se assim um tabu. Dessa forma, é comum atribuir ao menor a capacidade de imaginação e fantasia do episódio de violência, gerando assim um sentimento de culpa e confusão na criança ou adolescente. Cabe aqui destacar que dificilmente a criança vai fantasiar um episódio de violência sexual, e, se por ventura realmente for uma fantasia, é de suma importância encaminhar a criança ou adolescente para acompanhamento com profissional especializado, no mínimo a mesma está tendo contato com conteúdos que não são próprios para sua faixa etária.
Diante da perspectiva de falta de compreensão do próprio corpo e também da sexualidade vê-se a importância de se trabalhar a Educação Sexual. Esta deve ser pensada como forma de esclarecer e orientar sobre o corpo, a sexualidade, e os aspectos ligados à relação sexual como forma de promover a prevenção de gravidez na adolescência, doenças sexualmente transmissíveis, a própria violência sexual, e similares.
A violência sexual infantojuvenil é um evento traumático considerado como fator de risco para o desenvolvimento de suas vítimas, isto porque essas vítimas se encontram em um processo de transformação mental, intelectual e social nos quais não estão preparados para suportar a estimulação sexual.
Alguns estudos apontam que 60% das vítimas podem desenvolver algum tipo de sintoma significativo a curto prazo, o que varia de acordo com os fatores intrínsecos a violência sexual, como por exemplo, a personalidade da vítima, a figura do agressor e o vínculo com esse, como ocorreu o(s) episódio(s) de violência, a coerção e/ou pressão para manter o segredo, o apoio familiar, entre outros.
Dessa forma é importante estar atento para o comportamento que as crianças e/ou adolescentes apresentam se considerar o seu contexto de desenvolvimento, bem como o seu comportamento corriqueiro. Não são sintomas isolados que configuram a violência sexual infantojuvenil, mas sim o conjunto de sintomas.
Ao se considerar os fatores intrínsecos no processo de violência sexual infantojuvenil descritos anteriormente, são várias as possibilidades de sintomas a serem apresentados, porém pode-se listar aqueles que podem ser observados com maior facilidade na rotina do menor. O rendimento escolar é um dos primeiros aspectos que pode ser observado em crianças que foram vítimas de algum tipo de violência. Dificuldade de concentração, hipervigilância (a criança está sempre em alerta, buscando formas de evitar a violência, de não ser mais vítima), isolamento social, alteração do sono e alimentar, sentimentos de pânico e culpa, baixa autoestima, comportamento agressivo, irritabilidade, comportamento autodestrutivo, comportamento sexual inadequado, fugas do lar (passa mais tempo na rua que em casa), abuso de substâncias psicoativas, transtornos do humor, delinquência entre outros tipos de transtornos que podem comprometer o desenvolvimento da vítima por toda a vida.
É de suma importância compreender e estar atento para o fato: nem todo sintoma indica a vivência de violência sexual, porém toda violência sexual é geradora de sintomas. Daí a importância de uma avaliação realizada por um profissional especializado.
Caso seja feita a identificação de alguns sintomas, converse com outro adulto ou busque promover um espaço acolhedor onde a criança e/ou adolescente seja capaz de expressar os seus medos, angústias, entre outros sentimentos de difícil compreensão para si.
É preciso ouvir e acolher a vítima de violência sexual. O acolhimento dessas vítimas é fundamental para o processo de reconstrução e potencialização das qualidades da vítima. Elas precisam enxergar que esse não é o fim, apenas uma janela dentro de uma longa trajetória de vida, trajetória esta que pode ser construída e reconstruída, a todo momento, pela própria pessoa.
Referências:
https://www.comportese.com/2013/11/a-violencia-intrafamiliar-infantil-e-suas-consequencias
Clique para acessar o 1413-8123-csc-22-09-2919.pdf
Clique para acessar o v19n2a09.pdf
http://www.bbc.com/portuguese/brasil-43010109
https://www.revistas.usp.br/rto/article/viewFile/49080/53153
Imagem capa: Pexels
Sara Almeida Botelho
CRP – 04/40276
Psicóloga Clínica, especialista em Saúde Mental, Pós-graduada em Psicologia do Trânsito, Psicologia Hospitalar. Formada pela UNIPAC (Universidade Presidente Antônio Carlos Campus em Teófilo Otoni/MG), especialista em Saúde Mental pela UNIPAC (Universidade Presidente Antônio Carlos Campus em Teófilo Otoni/MG), Psicologia do Trânsito pela UNICAM (Universidade Cândido Mendes), Psicologia Hospitalar pela UNIARA (Centro Universitário de Araraquara).
Psicóloga do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS Regional Mucuri com sede em Águas Formosas/MG. Consultório em Águas Formosas no Consultório de Cardiologia.
Contatos:
botelhoasara@gmail.com
(33) 98818-6543
Página no Facebook: Subjetividade
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