Delinquência Juvenil – Avaliação, Intervenção e Resposta Social


Por: Danilo Ciconi de Oliveira

Contribuições da Psicologia Criminal e da Criminologia do Desenvolvimento ao manejo do Adolescente em Conflito com a Lei

Realidade brasileira e Justiça Juvenil

A questão da delinquência juvenil está constantemente em pauta no cenário midiático brasileiro, no qual, infelizmente, é tratada com frequência com sensacionalismo e alarmismo escancarado. A legislação atinente ao manejo do jovem infrator é permeada, por consequência, por uma série de falsas impressões, boatos e críticas irrefletidas por grande parcela da sociedade. A principal delas pousa sobre o princípio constitucional, referendado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), de que o adolescente menor de 18 anos é inimputável, ou seja, não pode ser penalizado por atos ilícitos aos mesmos moldes que um adulto que infringe a lei. Fato é que dizer que o adolescente não é responsabilizado tal qual o adulto não significa afirmar que nada lhe acontece em resposta à prática de ato infracional. Na mesma legislação (Lei 8.069/90) estão previstas ações, denominadas medidas socioeducativas, que são aplicadas ao jovem que comete delito: advertência, prestação de serviço à Comunidade – PSC, Liberdade Assistida – LA, Semiliberdade, Internação em estabelecimento educacional. Em 2012, a Lei 12.594 deu corpo ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo que estabelece princípios e regula a aplicação e a execução das medidas socioeducativas no Brasil.

Na letra da lei, a Doutrina da Proteção Integral, nos apresenta um cenário otimista, no qual adolescente e sociedade seriam beneficiados por intervenções especializadas que permitiriam a superação do problema da delinquência juvenil. A concretude da prática, por outro lado, ainda está longe de se configurar com tamanha eficiência e eficácia. As unidades de internação em algumas localidades, por exemplo, pouco diferem do que se vê no sistema prisional adulto. O ideal da socioeducação acaba sendo prejudicado por dificuldades estruturais e técnicas. Relatos de violência e de violação de Direitos, somados à morosidade do Sistema de Justiça, tornam a intervenção pouco eficaz, o que reacende os ânimos da sociedade quanto à impressão de pouca efetividade da socioeducação no Brasil. Ainda sobre a internação, ao menos – e isso já é um ganho em absoluto – o adolescente encontra-se ao lado de iguais, de mesma faixa etária, em condições equivalentes de desenvolvimento psicossocial. Deste modo, apesar das falhas, limites e dificuldades, o modelo atual ainda é infinitamente melhor do que a extinção do sistema socioeducativo a partir da redução da maioridade penal.

Ainda que exista pressão popular para a redução, temos ciência de que esta é fruto ou do desconhecimento da realidade brasileira da atuação junto ao jovem infrator (falsa ideia de que “nada é feito”) ou, ainda, de um senso de vingança que gostaríamos de ver atrelado às práticas jurídicas. No segundo caso, constata-se a desvirtuação do Direito e da Justiça, que só existem efetivamente se fundados sob a pauta da moderação e do equilíbrio. Assim, tendo compreendido os motivos e circunstâncias da Justiça Juvenil brasileira para o estabelecimento da maioridade penal aos 18 anos de idade, insistimos pela sua manutenção.

A questão não é o discernimento, mas, sim, as possibilidades de intervenção

A Teoria do Discernimento não fundamenta nossa contrariedade em relação à redução da maioridade penal. Afinal, é claro que o adolescente sabe, sim, que o ato que pratica é ilícito. Agora, responda com sinceridade: o nosso comportamento é total e exclusivamente determinado pela nossa racionalidade? Não apresentamos diversos comportamentos os quais não entendemos muito bem o porquê? Fatores ambientais, sociais, emocionais / de desenvolvimento também são determinantes dos nossos comportamentos, inclusive do comportamento de desrespeito à lei. E sobre tais fatores nós podemos intervir! É por isso que a redução da maioridade penal pouco ajuda na resolução do problema.

O que consideramos, de fato, para pregar que seja mantido o jovem infrator dentro do sistema socioeducativo são – tendo em vista a etapa do desenvolvimento humano no qual o adolescente se encontra – as efetivas possibilidades de intervenção que nos aparecem no campo das práticas socioeducativas. Em outras palavras, entendemos que para o jovem infrator ainda há esperança de “salvação” – e temos ferramentas para isso!

O adolescente encontra-se no auge de seu desenvolvimento psicossocial. Qualquer estimulação externa, positiva ou negativa, é capaz de propiciar grandioso efeito no seu desenvolvimento. Quer dizer que a ação errada, o castigo pelo castigo, pode ser capaz de piorar o comportamento delitivo – do que decorrem riscos, não apenas para o jovem, mas para toda a sociedade, que, ao invés de ver reduzir a delinquência, poderia tornar-se refém da escalada da violência. Quer dizer, também, que a intervenção certa é capaz de produzir belíssimos resultados e de modificar trajetórias de vida.

Talvez algo que nos falte hoje para ajudar a resolver a questão da delinquência juvenil seja a opção pela intervenção correta.

À cada um, aquilo que precisa

Sob uma perspectiva desenvolvimental, é evidente que nem todos os adolescentes são iguais. Os adolescentes infratores também não o são, ainda que tenham cometido o mesmo tipo de delito. Avaliar as peculiaridades de cada adolescente é, além de procedimento prescrito em lei, essencial para a elaboração e a aplicação da intervenção correta (medida socioeducativa mais adequada).

Diversos fatores são responsáveis pela ativação e manutenção do comportamento delitivo, de acordo com a literatura científica da área. Ao longo do desenvolvimento, diversas situações de vida cooperam para o aparecimento do comportamento de delinquir. Negligência ou violência familiar, baixa qualidade dos vínculos às instituições pró-sociais (família, escola, trabalho etc.), modelos parentais divergentes ou antissociais, histórico de desadaptação e rebelião escolar, frequentação de pares divergentes, rotina desestruturada etc. são alguns fatores de risco para a delinquência juvenil. Ou seja, quando presentes, ao longo dos primeiros anos de vida até a adolescência, prejudicam o desenvolvimento do jovem e servem de facilitadores para a emissão de comportamentos desviantes, entre os quais, o de infração à lei. Para atuar efetivamente sobre o comportamento delitivo e propiciar ao adolescente a retomada de um desenvolvimento saudável / pró-social, intervir sobre os fatores que estão na base do comportamento de delinquir é essencial.

Assim, antes da aplicação da medida, é importante pensar quais fatores estão associados ao comportamento delitivo. Mais ainda, é fundamental buscar entender o quanto a vida do adolescente transita ou não em torno da prática de delitos. Em linguagem científica, buscar entender qual o nível de engajamento infracional do adolescente.

Adolescentes mais comprometidos necessitam de intervenção mais intensa, por exemplo, a internação. Jovens menos envolvidos ou com mais fatores de proteção podem ser beneficiados pelas medidas de meio aberto – liberdade assistida, por exemplo. O ideal é que se considere o nível de engajamento infracional para que a resposta social à infração cometida e a técnica de intervenção sejam adequadas a real necessidade do adolescente foco da socioeducação.

No Brasil, todavia, grande parte das vezes, a decisão quanto à medida a ser aplicada se pauta apenas na tipificação da lei, ou seja, no delito cometido, sem considerar os fatores associados ou de desenvolvimento do jovem. Assim, muitas vezes, a intervenção não surte o efeito adequado, não por não ter qualidade, mas por não ser a mais adequada àquela pessoa em específico. A equipe psicossocial que realiza a avaliação dos jovens antes da aplicação da medida precisa ter fortalecida a sua compreensão sobre as variáveis de manutenção do comportamento infracional, a fim de amparar com maior rigor técnico-científico as decisões judiciais.

Uma abordagem sistêmica (que considere variáveis múltiplas – da família, da escola, da sociedade, do desenvolvimento do próprio jovem etc.) é um bom meio de embasar mais criteriosamente a avaliação do adolescente. Ademais, é preciso adotar um referencial sólido de avaliação – o Modelo Integrado de Intervenção Diferencial (MIID) é um exemplo de instrumento da área da Criminologia que tem oferecido subsídio à avaliação de adolescentes dentro do contexto da Justiça em diversos países, inclusive, no Brasil [1], e apresentado bons resultados no direcionamento dos objetivos e das atividades de socioeducação.

A importante precisão no atendimento socioeducativo

Já na fase de execução da medida, não se pode perder de vista que a intervenção é individualizada. Para cada adolescente, tendo identificado as suas necessidades, as atividades e meios irão se configurar de forma única, personalizada, e serão expressos no Plano Individual de Atendimento – PIA. Este não pode ser apenas mera formalidade, mas, sim, deve tornar-se guia de execução e acompanhamento da medida. A resposta exata às necessidades do adolescente (nos campos da prevenção, da reinserção social, da reeducação e da contenção do agir).

Ferramentas sólidas de intervenção (técnicas e recursos) também se fazem necessárias. A ação socioeducativa não pode ser constituída por meio do improviso. Além disso, a qualidade dos serviços passa pela padronização das práticas. A Abordagem Cognitvo-Comportamental em Psicologia [2] e o Modelo Psicoeducativo [3] são exemplos de referenciais teóricos que podem oferecer bom instrumental técnico para intervenção junto a adolescentes em conflito com a lei.

Por fim, se devemos intervir sobre variáveis múltiplas a partir de uma visão sistêmica da realidade, a articulação com a rede de atendimento (órgãos da área da Educação, da Saúde, da Assistência Social etc. – que configuram o chamado Sistema de Garantia de Direitos) é passo primordial para o sucesso da ação socioeducativa. Em grande parte dos municípios brasileiros, a rede necessita ser fortalecida. Investimentos de ordens diversas – financeiro, tecnológico, treinamento dos agentes, fortalecimento dos atores envolvidos etc. – são urgentes. Mas são o único e melhor recurso, tanto para intervir, quanto para prevenir. E prevenção é a principal resposta para a questão da violência e da delinquência no Brasil.

O problema é que prevenção dá resultado em longo prazo. E, talvez, por isso, falte vontade política para semear resultados. Responder à pressão popular é certo: dá mais ibope… E o que dá ibope é priorizado, em detrimento de outras ações que poderiam – estas sim! – transformar a realidade e garantir a promoção da Justiça e a defesa da segurança pública.

Referências:

[1] BAZON, M. R.; KOMATSU, A. V.; PANOSSO, I. R.; ESTEVÃO, R. Adolescentes em conflito com a lei, padrões de comportamento infracional e trajetória da conduta delituosa: um modelo explicativo na perspectiva desenvolvimental. Revista Brasileira Adolescência e Conflitualidade, v. 5, p. 59-87, 2011.

[2] NEUFELD, C. B. (Org.). Terapia cognitivo-comportamental para adolescentes: uma perspectiva transdiagnóstica e desenvolvimental. Porto Alegre: Artmed, 2017.

[3] BAZON, M. R. Psicoeducação: Teoria e Prática para Intervenção junto a Crianças e Adolescentes. Ribeirão Preto: Holos, 2002.

Imagem capa: Pexels

Colunista:

Danilo Ciconi de Oliveira
CRP 06/123683

É psicólogo, licenciado em pedagogia e especialista em psicopedagogia
Psicólogo clínico e socioeducador
Atua em São João da Boa Vista-SP e em São Carlos-SP
Contato
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Página: facebook.com/danilociconipsi
Blog: http://desenvolverpsi.blogspot.com.br/
E-mail: danilociconipsi@gmail.com
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O Psicólogo e o Tribunal de Justiça


NEWS Curso de Pós Graduação Psicologia Juridica-02

Por: Ane Caroline Janiro

  • O que faz um Psicólogo no Tribunal de Justiça?

O Psicólogo Judiciário, ou Perito, é um profissional concursado do Tribunal de Justiça, e cabe a ele realizar as avaliações psicológicas de envolvidos em um processo judicial – mediante a determinação de um Juiz. Este profissional pode atuar nas Varas de Infância e Juventude e Vara de Família. O Psicólogo emite um laudo com sugestões que possam auxiliar o juiz em sua tomada de decisão.

  • E qual a diferença do Perito e do Assistente técnico?

O Assistente Técnico é um Psicólogo contratado por uma das partes em litígio, e sua função é acompanhar o trabalho do Perito. O Assistente Técnico emite um laudo que avalie a condição de uma das partes, questionando ou reforçando aspectos presentes da perícia, garantindo assim possibilidades de outro ponto de vista sobre o caso.

Fonte: Jornal PSI – Conselho Regional de Psicologia de São Paulo

Leia mais em: http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/jornal_crp/179/frames/fr_um-dia.aspx

Além disso, o Conselho Federal de Psicologia detalha como atribuições do Psicólogo Jurídico:

Psicólogo Jurídico

Atua no âmbito da Justiça, nas instituições governamentais e não-governamentais, colaborando no planejamento e execução de políticas de cidadania, direitos humanos e prevenção da violência. Para tanto, sua atuação é centrada na orientação do dado psicológico repassado não só para os juristas como também aos sujeitos que carecem de tal intervenção. Contribui para a formulação, revisões e interpretação das leis.

Detalhamento das Atribuições:

1- Assessora na formulação, revisão e execução de leis.

2- Colabora na formulação e implantação das políticas de cidadania e direitos humanos.

3- Realiza pesquisa visando a construção e ampliação do conhecimento psicológico aplicado ao campo do Direito.

4- Avalia as condições intelectuais e emocionais de crianças adolescentes e adultos em conexão processos jurídicos, seja por deficiência mental e insanidade, testamentos contestados, aceitação em lares adotivos, posse e guarda de crianças ou determinação da responsabilidade legal por atos criminosos.

5- Atua como perito judicial nas varas cíveis, criminais, justiça do trabalho, da família, da criança e do adolescente, elaborando laudos, pareceres e perícias a serem anexados aos processos.

6- Elabora petições que serão juntadas ao processo, sempre que solicitar alguma providência, ou haja necessidade de comunicar-se com o juiz, durante a execução da perícia.

7- Eventualmente participa de audiência para esclarecer aspectos técnicos em Psicologia que possam necessitar de maiores informações a leigos ou leitores do trabalho pericial psicológico(juízes, curadores e advogados).

8- Elabora laudos, relatórios e pareceres, colaborando não só com a ordem jurídica como com o indivíduo envolvido com a Justiça, através da avaliação das personalidade destes e fornecendo subsídios ao processo judicial quando solicitado por uma autoridade competente, podendo utilizar-se de consulta aos processos e coletar dados considerar necessários a elaboração do estudo psicológico.

9- Realiza atendimento psicológico através de trabalho acessível e comprometido com a busca de decisões próprias na organização familiar dos que recorrem a Varas de Família para a resolução de questões.

10- Realiza atendimento a crianças envolvidas em situações que chegam às Instituições de Direito, visando a preservação de sua saúde mental, bem como presta atendimento e orientação a detentos e seus familiares.

11- Participa da elaboração e execução de programas sócio educativos destinados a criança de rua, abandonadas ou infratoras.

12- Orienta a administração e os colegiados do sistema penitenciário, sob o ponto de vista psicológico, quanto as tarefas educativas e profissionais que os internos possam exercer nos estabelecimentos penais.

13- Assessora autoridades judiciais no encaminhamento à terapias psicológicas, quando necessário.

14- Participa da elaboração e do processo de Execução Penal e assessorar a administração dos estabelecimentos penais quanto a formulação da política penal e no treinamento de pessoal para aplicá-la.

15- Atua em pesquisas e programas de prevenção à violência e desenvolve estudos e pesquisas sobre a pesquisa criminal, construindo ou adaptando instrumentos de investigação psicológica.

Fonte: http://site.cfp.org.br/

Imagem: IBEEX
OBS.: Todo o conteúdo desta e de outras publicações deste site tem função informativa e não terapêutica.

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Sobre a autora:

Ane Caroline Janiro – Psicóloga clínica, idealizadora e editora deste blog.
CRP: 06/119556