Por: Alex Valério
Não é de hoje que temos visto e ouvido sobre a necessidade de melhorar as ações destinadas a educação das crianças e adolescentes. No dia a dia do consultório, tem sido frequente encontrarmos pais assustados – às vezes desesperados – com o comportamento dos filhos. Muitos acabam recorrendo ao apoio de um profissional, com intuito de reduzir os problemas de comportamento.
O intuito deste texto não é criticar os pais e, menos ainda, culpar os filhos. A ideia é refletir a respeito de alguns aspectos do nosso modo de agir. Ao longo do texto utilizarei algumas vezes a expressão “pais”, por força do hábito, mas entendam que estou me referindo aos cuidadores – aqueles que são responsáveis pela educação da criança. Aos leitores que não possuem filhos, sempre há um “pequeno” por perto, seja de um amigo, familiar ou conhecido. E, é claro, um dia poderão ter.
Sabendo que as crianças de hoje, serão os adultos de amanhã, comportamentos inadequados que ocorrem na infância, podem se perpetuar, continuar ocorrendo durante a adolescência e se estender para vida adulta.
Cada vez mais nossa sociedade tem atribuído aos pais algumas responsabilidades quanto à educação de seus filhos, principalmente no que se refere aos seus sucessos e insucessos. E, convenhamos, ser pai no século 21 não é uma das atividades mais fáceis, concordam?! Já escutei muitos pais dizerem “Na minha época…” Sabemos que tudo era bastante diferente há alguns anos atrás, mas entendam: os tempos são outros. Tratar os jovens de hoje, da maneira como fomos tratados, não é garantia de um bom resultado.
Vou ilustrar para vocês, através de um exemplo, algumas das mudanças que tivemos. Atualmente é muito frequente, na correria do dia a dia, ver pais que deixam os filhos na frente da televisão ou do tablet, assistindo a desenhos, como a Galinha Pintadinha ou o Patati e Patatá e tantos outros. Muitos já me contaram que fazem isso para conseguir realizar alguma atividade – como o jantar, por exemplo – e evitar que a criança acabe atrapalhando. É normal, muitos pais acabam precisando contar com este recurso e não estamos aqui para condenar essa postura. Mas vamos concordar que antigamente nossos pais não entregavam um iPad nas nossas mãos para conseguir fazer o que precisavam. Viram? Isso prova meu argumento anterior: os tempos são outros.
O núcleo familiar é fundamental na educação de qualquer pessoa. Durante os primeiros anos de vida, todos nós somos dependentes dos nossos cuidadores, inclusive, são eles os responsáveis pela promoção e aquisição dos valores morais e sociais. Nesse sentido, é através da família que aprendemos os nossos primeiros comportamentos. Logo, essas relações iniciais irão interferir em nossa maneira de viver e de ver o mundo, durante a nossa vida futura. A família é o lugar adequado e privilegiado para promoção da educação infantil¹.
Outra fala que ouço com frequência dos pais, é que eles não entendem como os filhos podem se comportar de algumas maneiras, já que não ensinam isso em casa. Alguns ficam indignados, culpam os colegas de escola ou os pais dos coleguinhas. É claro que há diversos fatores que influenciam na vida das crianças e não só o ambiente familiar. A escola, a televisão, os amigos e mais uma infinidade de exemplos temos para citar. Ainda assim, apesar de outras influências, é na primeira infância, com os pais, que os valores morais e padrões de conduta começam a se formar.
Alguns pais, caso estejam lendo esse texto, podem até balançar a cabeça, discordando que isso ocorra na casa de vocês. Mas, pensem comigo, sabe quando não estamos dispostos a atender aquela ligação naquele horário da noite? “Filho, diz que o papai não está”. Já ouvi relatos de algumas mães que ficaram com pena do castigo do filho e acabaram soltando um “Não deixa seu pai saber que deixei você ir”. Há, também, algumas histórias que nossos filhos contam sobre os coleguinhas, que nos deixam de “cabelo em pé”, não é verdade? Por vezes, até comentamos algo do tipo: “A mãe da Mariazinha é uma relaxada, você precisa aprender que aquilo é uma vergonha, onde já se viu largar os filhos assim?”
Antes de prosseguir, é claro que imagino que nenhum pai faça isso de propósito, acontece sem intenção. Mas, antes de analisar os exemplos que acabei de citar, lembrem-se: aprendemos muitas coisas por observação. E, portanto, nossos filhos também. Logo, eles estão aprendendo a se comportar enquanto nos observam.
Agora vamos pensar nas situações que apresentei. Nas duas primeiras, estamos ensinando as nossas crianças a contarem coisas que não correspondem com a verdade, em outras palavras, estamos pedindo que elas mintam por nós. No último exemplo, estamos falando mal de alguém que não está lá para se defender e, ainda por cima, julgando algo que pode não ser exatamente como foi apresentado para nós. Sei que comentários como estes, pretendem prevenir comportamentos inadequados do filho, mas será que essa é a melhor maneira para isso? Ainda sobre esse exemplo, imaginem que a mãe que faz esse comentário, é próxima da outra mãe (o que costuma ocorrer com frequência). Nesse sentido, ao observar esta conduta, a criança está aprendendo que pode criticar seus colegas, na ausência deles. Traduzindo para o português mais claro, é o que chamamos de falsidade.
De novo direi: não pensem que estou criticando quem faz isso, não estou. Repito: há uma série de coisas que fazemos sem nem perceber que estamos fazendo, é comum um deslize e, quase sempre, nossa intenção é boa. Digo mais, diante de tanta dificuldade e cobrança, é compreensível que os pais se sintam inseguros e impotentes durante o processo educativo de seus filhos. A intenção de apresentar essas situações é para que possamos refletir e discutir os aspectos apresentados.
Normalmente, os pais estão muito preocupados com o mau comportamento. Mas, e os bons comportamentos? Onde estão? É quase unânime a surpresa quando são questionados a respeito disso. Qual a razão de se preocupar com aquilo que a criança faz de bom, se é aquilo que é ruim que quero mudar?
Vejam só. Há uma série de fatores que levam os filhos a agirem como agem. Um motivo muito comum é a falta de atenção. Fazendo uma reflexão rápida e honesta: como você age quando alguém faz algo correto (adequado)? Possivelmente ficamos satisfeitos, certo? E dizemos isso à pessoa que fez? Nem sempre, mas às vezes sim. Tudo bem. Vamos agora pensar o inverso, quando alguém faz algo que nos desagrada, como agimos? Em geral, nossa reação é ficar bravo e, quase sempre, demonstramos isso. A raiva é bem mais fácil de demonstrar, às vezes até quando não queremos mostrar que estamos irritados, mostramos.
Com a necessidade de trabalhar, ganhar dinheiro, manter a casa, comprar material escolar e por aí vai, muitos pais acabam ficando fora boa parte do dia e, com isso, dedicam pouco tempo aos filhos. Isso não é o que os pais desejam, mas precisam trabalhar, é uma questão de sobrevivência, muitas vezes não há escolhas.
Há pais que, para compensar a ausência, aceitam tudo o que os filhos pedem e não fazem nada para tentar mudar maus comportamentos (olha aí o problema da permissividade). Há outros que gritam, batem e ficam nervosos quando não aprovam determinada atitude do filho.
Agora, vou explicar por que pedi para pensarem em bons comportamentos. Normalmente, aquilo que nos desagrada, desperta mais a nossa atenção, logo, investimos mais energia na tentativa de tentar corrigir. Quando a criança age adequadamente, poucas vezes os pais costumam comentar a respeito e, quando fazem, não realizam com a mesma magnitude de quando brigam. Agora avaliem: seu filho recebe sua atenção mais quando apronta ou quando escova os dentes no horário certo?
Tenho notado que, frequentemente, os pais conseguem elencar rapidamente uma série de comportamentos que os incomodam e, raramente, fazem com a mesma facilidade uma lista de coisas boas dos próprios filhos. Isso acontece não porque são maus pais ou porque possuem maus filhos, mas porque aquilo que nos desagrada, salta aos nossos olhos e queremos evitar que aconteça.
Mudar comportamento não é uma tarefa simples, mas um primeiro-passo para alterar algumas condutas é dar mais atenção quando a criança fizer algo adequado e diminuir a atenção destinada, quando ela emite um mau comportamento. Atenção: dar menor atenção, não significa ignorar e deixar que ela faça o que quer, mas ensiná-la que comportar-se adequadamente traz melhores consequências, não sendo necessário que ela se comporte mal para conseguir alguma atenção.
É claro que apenas isso não será suficiente. A ausência de regras ou a falta de consistência no cumprimento das mesmas é outra falha presente no contexto familiar. Há muitos pais que não estabelecem regras claras para a educação dos filhos, permitindo que sejam livres e façam aquilo que desejarem. Alguns até estabelecem regras, mas não as cumprem, o que também é um problema grave, já que isso ensina aos filhos o que precisam fazer para escapar do cumprimento de uma regra. Os estudos de diversas áreas têm indicado que esse é um fator que agrava os maus comportamentos. Ou seja, a dificuldade pode ser ainda maior e os pais perigam perder o controle da situação.
Por fim, há uma série de outros fatores que precisam ser considerados para começarmos a pensar na educação de crianças e adolescentes. Não tenho qualquer pretensão de acreditar que meu texto aborda todos eles. É importante esclarecer que o intuito é convidá-los a refletir sobre alguns aspectos que, a prática clínica, tem revelado ser muito frequente nas relações familiares.
Referências:
GOMIDE, Paula Inez Cunha. Pais presentes, pais ausentes: regras e limites. Vozes, 2004.
Também publicado em: O Minuto Terapia
Imagem capa: Pinterest
Colunista:
Alex Valério
CRP: 06/134435
Especializando em Terapia Comportamental pela
Universidade de São Paulo.
Psicólogo pela Universidade Nove de Julho.
Tem experiência com projetos que envolveram
pesquisa básica em análise do comportamento
(desamparo aprendido e comportamento supersticioso),
ações sociais com o público LGBT e pesquisa quantitativa
com familiares de mulheres que estavam encarceradas.
Realiza atendimento clínico de crianças, adolescentes e adultos.
Escreve para o próprio blog e, também, para o Educa2.
Atende em São Paulo (Região Central) e no Grande ABC.
Contato:
alex@minutoterapia.com
Facebook.com/ominutoterapia
*Ao reproduzir este conteúdo, não se esqueça de citar as fontes.
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