Os acontecimentos de um Estado, que de laico, não tem nada


Por: Alex Valério

Como adepto aos direitos humanos, à liberdade e, principalmente, ao amor, manifesto publicamente meu repúdio a toda e qualquer forma de preconceito.

Ultimamente, aqui no Brasil, quando a gente acha que não pode piorar, piora! O retrocesso da semana se deu, quando um juiz assinou uma liminar que passa a permitir que psicólogos ofereçam terapias de reorientação sexual. O assunto movimentou as redes sociais e produziu debates infindáveis. Muitas pessoas tem alegado que não há problemas na decisão do juiz, uma vez que, não se fala em cura-gay ou reversão sexual.

Para um leitor atento, eu diria que a inexistência de tais termos é algo bastante questionável. De acordo com o texto existente da liminar, agora o psicólogo pode oferecer “(re)orientação sexual” (sic). Ora, o que seria isso se não eufemismo? Qual é a diferença entre reorientação e reversão? Nós reorientamos aquilo que está incorreto ou o que é inadequado. Trocando em miúdos, no fim, acaba sendo o mesmo que cura-gay.

Este não é o único ponto que deve ser levado em conta, é preciso considerar as autoras da ação. O pedido para aprovação destes tipos de terapia, não é algo atual, pelo contrário, é um tema que se arrasta ao longo de anos e é conduzido por um grupo de psicólogas evangélicas pentecostais. Sabendo disso, gostaria que você que está lendo este texto, respondesse com sinceridade: você acredita mesmo que elas estão preocupadas com o bem-estar das pessoas? Precisamos concordar que, o viés religioso é indiscutível.

Nos últimos anos, a comunidade LGBT vem conquistando – a passos lentos – algum espaço na sociedade. É evidente que alguns avanços ocorreram. Entretanto, é fácil dizer isso daqui de onde estou, na principal metrópole do país. Certamente, se eu estivesse em alguma parte do Norte ou do Nordeste, meu discurso seria um pouco diferente. Agora, imagina o impacto desta decisão judicial em regiões mais conservadoras (sabe aquela história de não olhar só para o próprio umbigo? então…)

Agora que psicólogos podem oferecer os serviços de reversão, ser gay volta a assumir a posição de “inadequação”. Se há a possibilidade de reorientar, é porque se trata de algum trauma/doença/transtorno. A liminar é um regresso nas conquistas LGBT. Além disso, ela contribui para estigmatização e, portanto, vai gerar mais sofrimento às pessoas. Ser gay, ainda que nos dias de hoje pareça estar mais fácil, ainda não é simples. Hoje em dia, se você não for de classe média, hétero, cis gênero e branco, há grandes chances de fazer parte de alguma minoria e, portanto, com algum esforço, talvez possa entender a seriedade deste assunto.

Outro aspecto bastante preocupante desta discussão são as técnicas utilizadas por tais terapias. Foram realizados alguns estudos com intuito de verificar maneiras de reverter a orientação sexual das pessoas. Os resultados não são nada promissores, pelo contrário, são horrendos. No geral, os participantes não só se mantém atraídos por pessoas do mesmo sexo como, em muitos casos, desenvolvem sérios transtornos mentais, como depressão, ansiedade, entre outros.

A todos os que disseram não ter visto nada demais na liminar, peço que pensem no uso inadequado e no sofrimento que poderá ser causado a muitas pessoas. Imaginem pais conservadores que, no menor sinal de homossexualidade, submeterão o filho, menor de idade, a técnicas como estas.

O que precisa de cura é a nossa sociedade, é o preconceito dos que dela fazem parte. A liminar não legitima o sofrimento das pessoas que não aceitam a própria orientação sexual, ela valida a homofobia e a estigmatização de uma classe que já está para lá de estigmatizada.

Antes de repetir o modelo que aprendemos, vamos questioná-lo, criticá-lo e fazer melhor. Romper o ciclo vicioso do ódio e do preconceito é o primeiro passo para a mudança efetiva do mundo que tanto criticamos.

Também publicado em: Minuto Terapia

Imagem capa: Pinterest

Colunista:

Alex Valério
CRP: 06/134435

Especializando em Terapia Comportamental pela 
Universidade de São Paulo. 
Psicólogo pela Universidade Nove de Julho.
Tem experiência com projetos que envolveram 
pesquisa básica em análise do comportamento 
(desamparo aprendido e comportamento supersticioso), 
ações sociais com o público LGBT e pesquisa quantitativa 
com familiares de mulheres que estavam encarceradas.
Realiza atendimento clínico de crianças, adolescentes e adultos. 
Escreve para o próprio blog e, também, para o Educa2.
Atende em São Paulo (Região Central) e no Grande ABC.
Contato: 
alex@minutoterapia.com
Facebook.com/ominutoterapia

*Ao reproduzir este conteúdo, não se esqueça de citar as fontes.


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